ARTIGO
FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL: IDENTIFICANDO
DIFICULDADES E DESAFIOS
REGO, Maria Carmem Freire Diógenes – NEI/UFRN
PERNAMBUCO, Marta Maria Castanho Almeida – DEPED/UFRN
GT: Formação de Professores/ n. 08
Agência Financiadora:. Não contou com financiamento
Este estudo enfatiza a reflexão e a análise sobre alguns dados gerados pela
pesquisa “O Perfil do Educador Infantil e os Principais Desafios na sua Formação”, que
foi realizada durante a implementação do “Programa de Educação Continuada para
Professores de Educação Infantil - PECEI. Neste texto relata-se e analisa-se um recorte
da pesquisa: os focos de dificuldades apresentadas por professores(as) de educação
infantil numa prática de formação continuada de professores de Educação Infantil.
A formação de educadores tem sido amplamente debatida por pesquisadores
e formadores, surgindo inúmeras propostas e tendências de formação. Nesse debate, que
não é recente mas intensificou-se nas últimas décadas, é possível identificar
aproximações e convergências nas concepções adotadas pelos pesquisadores.
É importante lembrar que em sintonia com as diversas fases da história da
educação brasileira, preconizando mudanças estruturais nas formas de ensinar e
aprender, influenciadas pelas novas concepções como as da escola nova, o tecnicismo, o
construtivismo e o sócio-interacionismo, muitas foram as idéias surgidas quanto à
formação e profissão docente. Segundo Amaral (2003), essas idéias repercutiram nas
ações voltadas para a formação dos professores, assim como, nas denominações
consagradas na literatura educacional brasileira, a saber: treinamento, aperfeiçoamento,
reciclagem, capacitação e formação continuada, cada uma refletindo uma concepção
do papel a ser desempenhado pelo professor em seu exercício profissional (AMARAL,
2003, p.148).
Para transpor os obstáculos apresentados nos processos de formação, seja
inicial ou continuada, têm surgido inúmeras propostas com concepções e práticas
diferentes.
Lisita (2001) identificou quatro perspectivas ou tradições de formação de
professores: a perspectiva acadêmica - formação de um especialista em uma ou várias áreas e disciplinas com o objetivo de dominar os conteúdos; a perspectiva da
racionalidade técnica - formação de um técnico capaz de atuar conforme as regras e
técnicas advindas do conhecimento científico; a perspectiva prática - formação na e
para a prática e a perspectiva da reconstrução social - formação para exercer o ensino
como atividade crítica. As pesquisas voltadas para esse tema também se intensificaram,
podendo ser agrupadas em: pesquisas de diagnósticos - identificando os desafios e as
demandas nos processos de formação, nas políticas públicas e nas ações dos professores
e pesquisas propositivas: amplas e específicas - propondo princípios, metas e
orientações teóricas e práticas em duas esferas: global e pontual.
São pesquisas de diagnóstico, trabalhos como os de Gatti (1992) e (1994),
Ludke (1994) e Silva (1991), apontando diagnóstico das demandas e desafios
emergentes.
Gatti (1992), analisando a situação da formação (pré-serviço e continuada)
de docentes no Brasil, verificou e apresentou alguns problemas básicos: cursos de
licenciatura oferecidos em precárias condições por instituições privadas são
predominantes; a experiência prática e o conhecimento dos professores não são levados
em consideração, e os currículos dos cursos são enciclopédicos, elitistas e idealistas.
Para Gatti (1992), os currículos dos cursos apresentaram em determinados
momentos tendências que dominaram a formação dos professores brasileiros.
Inicialmente, predominou a ênfase psicológica em detrimento da pedagógica, enfocando
fortemente as diferenças individuais, depois, a ênfase no planejamento e na
operacionalização dos objetivos, influenciado pela teoria do capital humano. Já na
década de 80, ganha espaço as discussões das teorias do conflito, com domínio
sociológico, e finalmente hoje se assiste um retorno para o enfoque psicológico .
Segundo Gatti (1994), a formação de professores nas universidades é
relegada a um plano secundário, há uma prioridade nacional em torno da pesquisa.
Afirma ainda que:
Além disso, os cursos de formação de professores têm “caráter livresco e
prescritivo, cujo conteúdo dificilmente se transfere para a prática
quotidiana dos professores em suas reais condições de trabalho; a
desvalorização do patrimônio de experiência e conhecimento acumulado
pelos professores [...]” (GATTI, 1994, p.39).
Os resultados de Ludke (1994) chegam a pontos muito semelhantes aos
citados acima. Para Silva (1991), salienta-se que a formação de professores está longe
de ser assumida como dimensão institucional de primeira linha, embora a universidade mantenha inúmeros cursos, cujos egressos, geralmente, fazem opção pelo ensino.
Enfatiza-se que se continua predominando nos cursos, a visão de um professor genérico
e abstrato, sem considerar as reais condições e contextos de vida e profissional.
Um redimensionamento da formação inicial, tem sido considerado em
reformas implantadas em diversas partes do mundo. No Brasil, com a publicação e
distribuição em larga escala dos Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais –
Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio – assim como, o resultado das
pesquisas de Gatti (1992) e (1994), Ludke (1994) e Silva (1991), sobre quais as políticas
nacionais que embasam a formação de professores, apontaram para uma demanda de
reestruturação do 3o grau, pois os resultados dessas pesquisas, apesar de enfocar
diferentes aspectos da formação de professores, identificaram a dicotomia teoria-prática
presente nessa formação.
As pesquisas propositivas amplas estão bem representadas pelo Relatório da
Unesco, “Educação: um tesouro a descobrir”, elaborado pela Comissão Internacional
sobre Educação para o século XXI, que traz uma discussão ampla sobre as perspectivas
da educação e a formação do educador, abrangendo a complexidade da vida
contemporânea, constituindo-se nas bases das competências do futuro.
Apontar a importância da contribuição dos professores para a formação dos
jovens, não só para esperar o futuro com confiança, mas para construí-lo de forma
determinada e responsável. A UNESCO (2000) delineia que: A importância do papel do
professor enquanto agente de mudança, favorecendo a compreensão mútua e a
tolerância, nunca foi tão patente como hoje em dia. Este papel será ainda mais decisivo
no século XXI”. Para melhorar a qualidade e a motivação dos professores, o relatório
indica algumas medidas. Segundo este documento, atualmente, o mundo no seu
conjunto evolui rapidamente, e essa evolução esta fazendo com que os professores
necessitem aprender o que ensinar, e como ensinar, através da atualização e
aperfeiçoamento ao longo de sua vida, equilibrando a competência pedagógica, com a
competência na disciplina ensinada.
Outro aspecto, que é importante ser considerado, em qualquer análise que se
faça da literatura sobre formação de professores e educação inicial, seria a necessidade
de desenvolver, nos futuros professores, uma consciência de que, sua formação não se
esgota na graduação, mas é um processo continuo, permitindo dessa forma, a sintonia
com as exigências advindas do progresso científico e tecnológico das transformações e
da vida cultural (ALVES, 1991).
Segundo Alves (1991), a formação permanente dos professores tem como
objetivos: possibilitar a participação do professor na organização dos processos de
formação, satisfazer as necessidades do professor enquanto indivíduo, ampliar o campo
das experiências profissionais do professor, e prepará-lo para a mudança e eficácia. Nas
palavras da autora:
O professor traz para o processo de formação profissional, a sua
experiência passada, o seu conhecimento, as obrigações atuais e as
aspirações para o futuro, que influenciarão decisivamente a sua
aprendizagem. Negar isto significa negar a instrução dada na formação
inicial e os esforços dos educadores quando um curriculum foi preparado
para formar professores (ALVES, 1991, p.37).
As pesquisas propositivas específicas são as que apresentam especificidades
localizadas nos processos de formação, enfocando isoladamente temas como: os saberes
dos docentes (GAUTHIER, 2003), as competências para o exercício da profissão
(PERRENOUD, 1997), a profissionalização do educador (RAMALHO, 2003), a sua
ação no ensino de conteúdos específicos como Carvalho (2003) em ensino de ciências,
entre outros.
Atualmente, inúmeros trabalhos têm sido publicados, dando ênfase na ação-
reflexão-ação. Este debate também abrange profissionais que atuam na área de
formação, apontando necessidades para: a formação permanente contemplando tanto a
formação inicial como a continuada; a articulação entre a teoria e a prática; o foco na
escola como unidade pedagógica que articula ação dos vários atores; a utilização de
técnicas e recursos variados para ensino-aprendizagem; a incorporação de diferentes
conhecimentos para orientar a s ações e a situação individual dos sujeitos envolvidos
nas práticas educativas.
Paulo Freire propõe alguns aspectos para este debate, ele considerar que a
formação de professores deve abordar:
a fisionomia da escola que se quer, enquanto horizonte da nova proposta
pedagógica; a necessidade de suprir elementos de formação básica aos
educadores nas diferentes áreas do conhecimento humano; a apropriação,
pelos educadores, de avanços científicos do conhecimento humano que
possam contribuir para a qualidade da escola que se quer (FREIRE, 1991,
p.80).
O Programa de Educação Continuada para Professores de Educação Infantil
– PECEI, foi realizado em uma série de atividades metodológicas articuladas entre si:
Curso de Extensão Universitária com carga horária de 120 horas-aula; pesquisa junto
aos Municípios para explicitar as necessidades dos educadores; pesquisa junto aos professores/alunos sobre a realidade do município e a escola em que trabalham;
encontro de 20 horas-aula antes de cada módulo com os Professores Formadores para
detalhamento da programação; encontro com Secretários Municipais de Educação do
RN dos vinte e nove municípios participantes do programa; encontro de avaliação com
os formadores ao término de cada módulo e um encontro de avaliação final e finalmente
a realização de uma pesquisa junto aos professores/alunos acerca do nível de
qualificação, condições de trabalho e os focos de dificuldades apresentadas pelos
professores na apropriação dos conhecimentos teóricos-práticos durante o curso e em
suas práticas diárias.
Todo o programa visava articular um curso de 120 horas/aula para vinte e
nove municípios, atingindo 1.260 professoras(es) de educação infantil do Rio Grande
do Norte nas mais diversas regiões do Estado. Para tal, articulou-se várias ações que
visavam, principalmente, atender as especificidades regionais, ou seja, as demandas dos
municípios. Nesse contexto, realizou-se a pesquisa, tentando-se mapear o perfil do
educador infantil, e as principais dificuldades de apropriação teórico-prático
apresentadas pelos professores.
O curso de 120 horas-aula foi organizado em três módulos de 40 horas-aula
cada um, com um espaço mínimo de 30 dias entre um módulo e outro, para avaliar e
reprogramar o próximo módulo. Um grupo de 40 professores-formadores (dentre os
quais a autora atuou como coordenadora geral e formadora) trabalhou no curso e no
levantamento dos dados da pesquisa. Os encontros dos professores(as) formadores(as)
com a coordenação do programa, além de possibilitar a avaliação do curso com vistas a
reprogramação, também objetivava apresentar, discutir, analisar e confrontar os dados
que estavam sendo levantados através de questionários e/ou atividades realizadas
durante o curso.
O recorte da pesquisa que é discutido neste texto, são os focos de
dificuldades identificadas na formação dos(as) professores(as) de educação infantil, de
forma que contribua para uma reflexão dos desafios mais significativos a serem
superados nas novas práticas de formação docente, que possibilitem um
redimensionamento e efetivas transformações das suas ações docentes.
FOCOS DE DIFICULDADES
A análise dos resultados da pesquisa, permitiu a identificação de focos de
dificuldades apresentadas pelos professores(as). Constatou-se que os professores
apropriam-se, mais rapidamente, do vocabulário corrente, em detrimento do processo de
construção da prática.
A pesquisa evidenciou e localizou algumas dificuldades apresentadas pelos
professores(as), a saber: visão de infância, desenvolvimento, aprendizagem, realidade
dos alunos, conteúdos e metodologias entre outros. A partir da identificação dos focos
de dificuldades categorizamos nas seguintes dimensões: conhecimento do aluno,
conteúdos e metodologias e conhecimento de área.
2.1 Conhecimento do aluno
- não conseguem partir do conhecimento do aluno, do cotidiano,
realidade ou contexto, mesmo reconhecendo sua existência e
importância, não estabelecem uma troca dialógica entre os saberes dos
alunos e os saberes do professor(a). Esse reconhecimento fica restrito
ao campo do discurso;
- apresentam grande dificuldade de “adequar” conteúdos para cada
faixa etária da educação infantil;
- identificam com facilidade as dificuldades de aprendizagem e
comportamento dos alunos, mas não conseguem planejar ações para
mediar e/ou trabalhar essas dificuldades.
2.2 Conteúdos e metodologias
- não consideram que os conhecimentos das áreas já trazem uma
construção própria, portanto já orientando alguns procedimentos
metodológicos que são próprios dos seus processos de construção
histórica;
- tratam os conteúdos das áreas de ciências naturais e sociais de forma
estática e neutra como se não estivessem em construção e em
transformação, conseqüentemente, esquecem o caráter de revisão permanente destes, e equivocadamente, atribuem uma neutralidade aos
conteúdos dessas áreas;
- trabalham as metodologias de forma estanque, como se elas fossem
um “método fechado” com começo, meio e fim, bem delimitados, sem
uma articulação entre os momentos. Inclusive sugerem a utilização de
livros didáticos para orientar suas ações, esperando uma receita passo
a passo do que fazer;
- absorvem os passos das metodologias e aplicam-nas,
indiscriminadamente, para qualquer conteúdo e de qualquer área de
conhecimento.
2.3 Conhecimento de área
- apresentam grande dificuldade de compreensão acerca dos
conhecimentos de área, levando-nos a crer que se contentam em
ensinar o óbvio ou o que está na competência do senso comum;
- apresentam os conhecimentos aos alunos de forma fragmentada, há
uma grande dificuldade de trabalharem interdisciplinarmente. Por isso
ao propiciarem uma integração entre as áreas e acreditam estar
possibilitando a vivência de um real diálogo;
A análise para o enfrentamento dessas dificuldades, tem levado a explicitar
alguns desafios que precisam ser superados, permitindo uma reflexão mais aproximada
da realidade do educador infantil e sua formação que, conseqüentemente, possibilitará
uma ação formativa mais voltada para trabalhar com os professores(as) as suas
dificuldades e necessidades, assim como, as crianças que estão trabalhando, seu
desenvolvimento, seus contextos de vida, e dessa forma, pensar conteúdos e
metodologias mais adequados e significativos para cada faixa etária da educação
infantil.
DESAFIOS NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR INFANTIL
O grande desafio que temos enfrentado, na formação dos professores de
educação infantil tem sido trabalhar a apropriação dos sujeitos – professores e
professoras - acerca do processo de construção de uma proposta coletiva de trabalho que
articule as vivências, experiências, realidade dos alunos com os conhecimentos
culturalmente construídos, uma vez que, quando retornam à prática cotidiana não
conseguem romper com concepções já estabelecidas tradicionalmente, como por
exemplo, a retirada de conteúdos sempre recai na tradicional grade curricular ou mesmo
no livro didático.
A partir da análise dos dados da pesquisa, foi possível chegar a alguns
desafios e neste texto, pretende-se dar ênfase aos mais prementes para serem superados
nos cursos de formação para professores de educação infantil.
3.1 Superação do senso comum pedagógico
A definição da educação infantil em creche e pré-escola suscita e perpetua
controvérsias, que são históricas, ou seja, creches para refúgio assistencial das crianças
“pobres”, desprovidas de assistência familiar, apresentando-se apenas como substituta
da família e a pré-escola para as demais crianças.
Mesmo tendo sido adotado a denominação de Educação Infantil, da
prioridade prevista constitucionalmente e da responsabilidade atribuída ao Estado com
essa etapa da educação básica, a concepção de Educação Infantil é perpassada por uma
divisão estrutural entre creche e pré-escola.
A creche, que ao longo da história foi concebida como refúgio assistencial
de crianças desprovidas de cuidados, ou seja de crianças pobres, para uma suposta
família que não sabe dar cuidados, tem até os dias atuais, definido a infância com um
caráter privado, desconsiderando as políticas públicas de proteção e direitos a educação
da infância. Nessa perspectiva, a responsabilidade recai sobre a família.
A creche como substituta da família, cabe, portanto, organizar atividades
que atendam aos cuidados tipicamente domésticos, deslocados do conhecimento e da
cultura na qual está inserida.
A pré-escola, criada historicamente para os filhos da burguesia, assumindo
no setor público funções de preparatória para o Ensino Fundamental e suprir carências,
atualmente tem buscado uma identidade própria dentro do sistema de ensino.
Segundo Oliveira (2002), em geral as pré-escolas tem adotado uma
concepção de ensino individualista e separada do contexto social. Nesse caso as
situações de aprendizagem são sistematizados através de atividades
descontextualizadas, ou seja, pouco significativa para sua experiência pessoal e dentro
de rotinas rígidas, sem consideração das especificidades da faixa etária.
A Educação Infantil, atualmente, ainda, carrega em si a dicotomia entre
creche e pré-escola, pois a concepção vigente relaciona a pré-escola como instrumento
de apoio ao ensino fundamental, enquanto a creche vincula-se à assistência, portanto de
ordem, também familiar, induzindo à permanência do atendimento diferenciado.
Superar essa situação que é chamada de senso comum pedagógico da área,
porque foi construída historicamente, e apesar dos professores já terem assumido um
novo discurso, ela ainda está posta nas práticas cotidianas, requerendo superar outros
desafios, igualmente importantes.
Hoje, as escolas infantis são vistas como uma complementação da ação da
família, elas são consideradas como realizadoras dos direitos das famílias, das mulheres
e das próprias crianças, sendo consideradas como uma exigência da vida social.
3.2 Cuidar e educar
Tornou-se recorrente atribuir à educação infantil a eminência de atingir a
condição de educativa. No entanto, a explicitação e consenso do que é ser educativo,
ainda é objeto de polêmica. Alguns especialistas e educadores propõem uma articulação
com o Ensino Fundamental, idéia já bastante defendida nas décadas de 70 e 80 para a
resolução do problema da repetência no Ensino Fundamental, constituindo-se numa
função preparatória. Outros, num pólo bem distinto, propõem as sistematizações na
educação infantil, a quebra de qualquer vínculo com o ensinar e o aprender, o espaço
seria para trabalhar as expressões livres das crianças. Entre estes dois pólos distintos,
estão os que defendem uma ação educativa preocupada com o educar e o cuidar, porque
respeitam as especificidades de cada faixa etária.
O educar precisa garantir uma ação educativa consistente, considerando as
especificidades da faixa etária, pois é nos primeiros anos de vida que se instala, de forma marcante, a relação da criança com o conhecimento. Nesse sentido, desde cedo a
criança deve apropriar-se do conjunto de informações próprias da sua cultura,
ampliando seus conhecimentos e experiências, para que se constitua como cidadã na
sociedade contemporânea.
Já o cuidar de uma criança, não pode ser reduzido ao atendimento das
necessidades básicas das crianças como: sono, fome, sede e higiene, porém necessita
garantir um ambiente, que permita a construção progressiva da autonomia e da auto-
estima das crianças. Significa portando, compreendê-lo como parte integrante da ação
educativa, exigindo conhecimentos, habilidades e instrumentos que, muitas vezes,
extrapolam a dimensão pedagógica.
Superar as concepções históricas, higienicistas e assistencialistas, que se
revelam nas práticas cotidianas é ainda hoje, um grande desafio.
3.3 Hábitos e valores
A não superação dessas concepções, higienicistas e assistencialistas, tem
perpetuado práticas cotidianas pautadas na formação de hábitos, principalmente de
higiene pessoal, e na “suposta” formação de valores morais.
Têm-se identificado, nas rotinas diárias das crianças nas instituições de
atendimento, excessivas atividades voltadas para a higiene pessoal (banho, escovação de
dentes, lavagem das mãos e também atividades mimeografadas que reforçam esses
hábitos). Igualmente é recorrente nessas rotinas momentos de oração, descanso e a
resolução dos problemas/conflitos entre as crianças serem resolvidos através de
discursos do professor sobre o que é ser bonzinho, o que um (a) menino (a) bonzinho(a),
não deve fazer.
Essas práticas reforçam estereótipos há muito superados na literatura da
área: de que pais “pobres”, não sabem cuidar de seus filhos, e que famílias, tidas como
pobres, não “ensinam” valores morais adequados às suas crianças.
Durante décadas o atendimento ás crianças de 0 a 6 anos foi considerado
apenas como substituto á família, no entanto, hoje, fruto das conquistas da área,
delimita-se o campo de atuação dos profissionais da educação infantil, numa perspectiva
complementar a da família, reconhecendo a inestimável contribuição para o
desenvolvimento das crianças.
Nesses sentido, os hábitos e valores devem ser tratados no conjunto de
conhecimentos que as crianças têm acesso na escola.
3.4 Conhecimento, cultura e contemporaneidade
Ainda é conflitante, até entre os especialistas, os posicionamentos em
relação à presença de conteúdos e metodologias na escola infantil. Por um lado,
defende-se a função educativa ou pedagógica, com especificidades próprias, por outro,
evidencia-se uma preocupação com a escolarização do ensino infantil. Poucos
pesquisadores aventuraram-se a analisar variáveis, que possam estar interferindo em
diferentes aspectos do ensino de crianças de 0 a 6 anos de idade nas áreas de
conhecimento.
Juntamente com a meta de proporcionar o acesso ao conhecimento
sistematizado as crianças, é necessário que o professor compreenda esse conhecimento
enquanto cultura, posto que, é uma atividade humana construída sócio-historicamente.
Apesar das pesquisas já realizadas sobre a infância, superando o conceito de “in-fans”
no sentido de “não-fala”, é preciso superar o desafio do conceito de infância que os
professores culturalmente se apropriaram.
Dessa forma, partindo do princípio de que a educação infantil é um espaço
que propicia o processo de construção da relação ensino-aprendizagem, e de acesso ao
conhecimento culturalmente acumulado pela humanidade, é preciso pensar em
alternativas para a formação dos educadores(as), que possam contribuir para efetivar um
trabalho pedagógico mais comprometido com uma intencionalidade educativa, trazendo
para a vivência das crianças pequenas, aspectos da vida contemporânea da sociedade
brasileira.
O desafio é superar alguns questionamentos em torno da presença de
conteúdos na educação infantil, se por um lado, defende-se que é importante possibilitar
à criança o acesso à cultura e ao conhecimento, por outro, culpa-se os conteúdos das
áreas de disciplinares, estanques e escolarizantes. Portanto, não devem ser "ensinados"
na educação infantil. Dessa forma, aponta-se para uma visão de conhecimento
dissociado do universo das representações sociais, constituindo-se como cultura.
Nessa perspectiva, parece haver um hiato entre conteúdo e cultura. É
necessário construir um entendimento de que o processo de produção/construção do
conhecimento, constitui uma atividade humana, histórica e socialmente determinada.
Acredita-se que, a organização das atividades pedagógicas, seja através das
linguagens, pedagogia de projetos ou jogo, necessariamente incorpora os conteúdos das
áreas, pois eles sempre estarão presentes, sustentando as relações de ensino e
aprendizagem de qualquer nível educativo. Não é o caso de excluí a discussão dos
conteúdos na educação infantil, pois não é isso que garantirá uma prática voltada para as
especificidades da faixa etária.
3.5 Pesquisas na educação infantil
Tradicionalmente, a trajetória das pesquisas na educação infantil
concentrou-se em investigações acerca das políticas de atendimento e conceito de
infância, do desenvolvimento infantil em todos os seus aspectos, do desenvolvimento da
linguagem e da construção do número. Poucos pesquisadores aventuraram-se em
analisar variáveis, que poderiam estar interferindo em diferentes aspectos do ensino de
crianças de 0 a 6 anos de idade nas áreas de ciências naturais e sociais. Ainda é
conflitante o posicionamento dos especialistas em Educação Infantil, até mesmo em
relação à presença de conteúdos e metodologias na escola infantil. Por um lado,
defendem a função educativa ou pedagógica, com especificidades próprias, por outro,
evidenciam a preocupação com a escolarização do ensino infantil.
Cerisara (1999) analisou os pareceres dos especialistas convidados pelo
MEC acerca do Referencial Curricular Nacional, versão preliminar para a Educação
Infantil, e apontou que a diversidade de pontos de vista neles apresentados parecem
indicar fortemente que a área de educação infantil está ainda em processo de construção.
Concordamos com a posição de Isabel Cerisara, pois se faz necessário uma
ampla investigação acerca da prática educativa na educação infantil. Não há um
consenso entre os especialistas e educadores em relação a muitas questões, tanto do
trabalho, quanto da pesquisa nessa área. Ou seja, estudos que tematizem as questões
relativas à organização curricular, conteúdos e metodologias, aprendizagem e o ensino,
e suas devidas relações com o cotidiano escolar. A educação infantil tem
especificidades que precisam ser respeitadas, tendo como referência a criança, e não o
Ensino Fundamental.
Num ponto, quase todos os pesquisadores e educadores concordam, existe a
necessidade de se compreender e explicitar as especificidades da educação infantil,
cujos objetivos definidos possam abarcar/envolver as duas modalidades: creche e pré- escola, sem distinção, mas também não deixando de considerar objetivos mais
específicos para cada uma dessas modalidades: crianças de 0 a 3 anos e crianças de 4 a
6 anos, assim definidas na legislação brasileira, respectivamente.
O desafio tem sido levar o debate dos resultados das pesquisas aos
professores(as), levando-os(as) a uma apropriação e reconstrução de suas práticas
cotidianas.
A retomada da questão central deste texto “quais os principais focos de
dificuldades e os desafios na formação do educador infantil” nos impulsiona para uma
nova questão: que ação formativa é necessária para levar os professores(as) a refletirem
e tomarem consciência da sua ação docente?
Consideramos que a pesquisa pode delinear alguns indicativos para as
práticas de formação do educador infantil, apontando a necessidade de considerar: as
especificidades da educação infantil; os saberes do professor(a) sua visão de mundo, o
que já sabe e o que já faz; o contexto de vida do educador e do aluno com a intenção
explicita de problematizar esse conhecimento ou mesmo a sua ação docente.
Assim, entende-se que a formação permanente/continuada em serviço, deve
ser o espaço que possibilite repensar novas alternativas, que possam responder a esses
questionamentos e constatações, proporcionando um diálogo verdadeiro entre os(as)
professores(as)-formadores(as) e os professores(as)-alunos(as), entre o conteúdo dos
cursos e os(as) e professores(as)-alunos(as) e entre o conteúdo, formadores(as),
alunos(as) e o mundo.
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