quinta-feira, 24 de setembro de 2015

História de vida


ARTIGO


Carlos Marcelo 
marcelo@us.es
Universidade de Sevilha (Espanha 


Desenvolvimento Profissional Docente

          Entende‐se o desenvolvimento profissional dos professores como um processo individual e colectivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a escola; e que contribui para o desenvolvimento das suas competências profissionais, através de experiências de índole diferente, tanto formais como informais. O conceito de desenvolvimento profissio‐ nal tem vindo a modificar‐se durante a última década, sendo essa mudança motivada pela evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Nos últimos tempos, tem‐se vindo a considerar o desenvolvimento profissional como um pro‐ cesso a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências, planificadas sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente.
          Deve entender‐se o desenvolvimento profissional dos professores enquadrando‐o na procura da identidade profissional, na forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do eu profissional, que evolui ao longo das suas carreiras. Que pode ser influenciado pela escola, pelas reformas e contextos políticos, e que integra o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valo‐ res, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional. As identidades profissionais configuram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais.

          Quando falo ou escrevo sobre desenvolvimento profissional docente tenho sempre o hábito de refe‐ rir a obra de Linda Darling‐Hammond, “O Direito de Aprender” (Darling‐Hammond, 2001). E faço‐o porque entendo que é necessário recordar que as escolas foram criadas com o intuito de transformar as mentes dos alunos em mentes educadas e que, hoje em dia, para que esse direito se continue a res‐ peitar, exige‐se dos professores um esforço redobra‐ do de confiança, compromisso e motivação (Marce‐ lo, 2002).
          Muito se tem escrito sobre a influência que as atuais mudanças sociais estão a ter na sociedade pro‐ priamente dita, na educação, nas escolas e no traba‐ lho dos professores. Sempre soubemos que a pro‐ fissão docente é uma “profissão do conhecimento”. O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legi‐ timador da profissão docente e a justificação do tra balho docente tem‐se baseado no compromisso em transformar esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos. Para que este compromis‐ so se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é imprescindível, que os professores — da mesma ma‐ neira que é assumido por muitas outras profissões
— se convençam da necessidade de ampliar, apro‐ fundar, melhorar a sua competência profissional e pessoal. Zabalza (2000) afirmava que convertemos “a agradável experiência de aprender algo de novo cada dia, num princípio de sobrevivência incontor‐ nável” (p. 165). Sendo assim, para os docentes, ser professor no século XXI pressupõe o assumir que o conhecimento e os alunos (as matérias‐primas com que trabalham) se transformam a uma velocidade maior à que estávamos habituados e que, para se continuar a dar uma resposta adequada ao direito de aprender dos alunos, teremos de fazer um esfor‐ ço redobrado para continuar a aprender.
          Relatórios internacionais recentes têm centrado a sua investigação e destacado a importância do pa‐ pel dos professores nas possibilidades de aprendi‐ zagem dos alunos. Vai neste sentido o título do rela‐ tório recentemente publicado pela OCDE: Teachers matter: attracting, developing and retaining effecti- ve teachers (OCDE, 2005). No título diz‐se que os professores contam, ou seja, têm que ser tomados em consideração na melhoria da qualidade do en‐ sino que os alunos recebem. Neste relatório afirma‐ ‐se que: “Actualmente existe um considerável volu‐ me de investigação que indica que a qualidade dos professores e a forma como ensinam é o factor mais importante para explicar os resultados dos alunos. Também existem evidências consideráveis de que os professores variam na sua eficácia. As diferenças nos resultados dos alunos são, por vezes, maiores dentro de uma mesma escola do que entre escolas. O ensino é um trabalho exigente e não é qualquer pessoa que consegue ser um professor eficaz e man‐ ter essa eficácia ao longo do tempo” (p. 12). Este relatório é reflexo da preocupação, a nível interna‐ cional, com os professores: como fazer com que a docência seja uma profissão atractiva, como conser‐ var no ensino os melhores professores e como con‐ seguir que os professores continuem a aprender ao longo das suas carreiras.
          Mais recentemente, no âmbito da II Reunião In‐ tergovernamental do Projecto Regional de Educa‐ ção para a América Latina e Caribe, que se celebrou em Buenos Aires nos dias 29 e 30 de Março de 2007, apresentou‐se um documento de discussão sobre políticas educativas, no qual se afirmava que “os do‐ centes são actores fundamentais para assegurar o di‐ reito à educação das populações e contribuir para a melhoria das políticas educativas da região” (p. 49).
          Em paralelo com o estudo da OCDE, a prestigia‐ da Associação Americana de Investigação Educacio‐ nal (AERA) tornou público o relatório que tenta re‐ sumir os resultados da investigação que se tem feito em Formação de Professores, bem como propor po‐ líticas educativas que tenham em conta esses resul‐ tados. Afirma‐se que: “em todas as nações existe um consenso emergente de que os professores influem de maneira significativa na aprendizagem dos alunos e na eficácia da escola” (Cochran‐Smith & Fries, 2005, p. 40). Na mesma linha, Darling‐Hammond (2000) afirmava que a aprendizagem dos alunos “de‐ pende principalmente daquilo que os professores sabem e do que podem fazer”.
          Deste modo, centramos o tema deste artigo num aspecto fundamental das discussões sobre a profis‐ são docente: os processos usados pelos professores nas suas aprendizagens, processos esses que de‐ senvolvem e melhoram o seu reportório de compe‐ tências. É importante relembrar que não partimos do zero, o desenvolvimento profissional docente e a análise dos processos do aprender a ensinar têm sido uma preocupação constante dos investigadores educacionais nas últimas décadas. Têm sido feitas centenas de investigações e dezenas de revisões com o intuito de compreender estes processos. Tanto a terceira (Wittrock, 1986) como a quarta edição (Richardson, 2001) do Handbook of Research on Teaching, integram capítulos de revisão e síntese acerca dos professores, da sua formação e evolução. Estas obras, bem como artigos de revisão recentes,
publicados em revistas especializadas (como os de Cochran‐Smith & Zeichner, 2005; Feiman‐                    Nemser, 2001; Putnam & Borko, 1998; Wideen et al. 1998; Wilson & Berne; Zeichner, 1999) permitem‐nos configurar um panorama bastante actualizado no que diz respeito ao conhecimento acumulado sobre o processo de aprender a ensinar, tanto nos seus as‐ pectos consensuais como nos mais discutíveis. Par‐ tindo destas revisões, já bastante amplas, podemos fazer o ponto de situação e estabelecer um corpo de conhecimento acumulado suficiente para começar a dar uma resposta à pergunta: Como se aprende a ensinar?

DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE: A QUE NOS REFERIMOS?


           Neste artigo optamos pelo conceito de desenvolvi‐ mento profissional de professores. No nosso con‐ texto podemos fazer referência a outras noções: for‐ mação permanente, formação contínua, formação em serviço, desenvolvimento de recursos humanos, aprendizagem ao longo da vida, cursos de recicla‐ gem ou capacitação (Bolam & McMahon, 2004; Te‐ rigi, 2007). No entanto, pensamos que a denomina‐ ção desenvolvimento profissional se adequa melhor à concepção do professor enquanto profissional do ensino. Por outro lado, o conceito “desenvolvimen‐ to” tem uma conotação de evolução e continuidade que, em nosso entender, supera a tradicional justa‐ posição entre formação inicial e formação contínua dos professores

Rudduck referia‐se ao desenvolvimento profis‐ sional do professor como “a capacidade do profes‐ sor em manter a curiosidade acerca da sua turma; identificar interesses significativos nos processos de ensino e aprendizagem; valorizar e procurar o diálo‐ go com colegas experientes como apoio na análise de situações” (Rudduck, 1991, p. 129). Deste pon‐ to de vista, o desenvolvimento profissional docente pode ser entendido como uma atitude permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções.
          De seguida apresentamos algumas das mais recentes definições do conceito desenvolvimento profissional de professores, formuladas por autores de relevo:

          “O desenvolvimento profissional dos profes‐ sores vai para além de uma etapa meramente informativa; implica adaptação à mudança com o fim de modificar as actividades de ensino‐aprendizagem, alterar as atitudes dos professores e melhorar os resultados escola‐ res dos alunos. O desenvolvimento profissio‐ nal de professores preocupa‐se com as neces‐ sidades individuais, profissionais e organiza‐ tivas” (Heideman, 1990, p. 4);
          “O desenvolvimento profissional de profes‐ sores constitui‐se com uma área ampla ao incluir qualquer actividade ou processo que tenta melhorar destrezas, atitudes, compre‐ ensão ou actuação em papéis actuais ou futu‐ ros” (Fullan, 1990, p. 3);
          “Define‐se como todo aquele processo que melhora o conhecimento, destrezas ou ati‐ tudes dos professores” (Sparks & Loucks‐ ‐Horsley, 1990, pp. 234‐235);
          “Implica a melhoria da capacidade de con‐ trolo sobre as próprias condições de traba‐ lho, uma progressão de status profissional e na carreira docente” (Oldroyd & Hall, 1991, p. 3);
          “O desenvolvimento profissional docente in‐ clui todas as experiências de aprendizagem natural e aquelas que, planificadas e cons‐ cientes, tentam, directa ou indirectamente, beneficiar os indivíduos, grupos ou escolas e que contribuem para a melhoria da quali‐ dade da educação nas salas de aula. É o pro‐ cesso mediante o qual os professores, sós ou acompanhados, revêem, renovam e desen‐ volvem o seu compromisso como agentes de mudança, com os propósitos morais do ensino e adquirem e desenvolvem conheci‐ mentos, competências e inteligência emocio‐ nal, essenciais ao pensamento profissional, à planificação e à prática com as crianças, com os jovens e com os seus colegas, ao longo de cada uma das etapas das suas vidas enquanto docentes” (Day, 1999, p. 4);
          “Oportunidades de trabalho que promovam nos educadores capacidades criativas e re‐ flexivas, que lhes permitam melhorar as suas práticas” (Bredeson, 2002, p. 663);
o crescimento profissional que o professor adquire como resultado da sua experiência e da análise sistemática da sua própria prática” (Villegas‐Reimers, 2003).
          Como podemos verificar, as definições, tanto as mais recentes como as mais antigas, entendem o desenvolvimento profissional docente como um processo, que pode ser individual ou colectivo, mas que se deve contextualizar no local de trabalho do docente — a escola — e que contribui para o de‐ senvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais.
          O conceito de desenvolvimento profissional do‐ cente tem vindo a modificar‐se na última década, motivado pela evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Na revisão da investigação que se tem feito em torno do desenvolvimento profissional docente, Villegas‐ ‐Reimers (2003) mostra que nos últimos tempos se tem vindo a considerar que este é um processo a longo prazo, que integra diferentes tipos de opor‐ tunidades e de experiências, planificadas sistema‐ ticamente, de forma a promover o crescimento e desenvolvimento profissional dos professores. As‐ sim sendo, está a emergir uma nova perspectiva que entende o desenvolvimento profissional docente como tendo as seguintes características:
1. Baseia‐se no construtivismo, e não nos mo‐ delos transmissivos, entendendo que o pro‐ fessor é um sujeito que aprende de forma ac‐ tiva ao estar implicado em tarefas concretas de ensino, avaliação, observação e reflexão;
2. Entende‐se como sendo um processo a lon‐ go prazo, que reconhece que os professores aprendem ao longo do tempo. Assim sendo, considera‐se que as experiências são mais eficazes se permitirem que os professores re‐ lacionem as novas experiências com os seus conhecimentos prévios. Para isso, é necessá‐ rio que se faça um seguimento adequado, in‐ dispensável para que a mudança se produza.
3. Assume‐se como um processo que tem lugar em contextos concretos. Ao contrário das práticas tradicionais de formação, que não relacionam as situações de formação com a práticas em sala de aula, as experiências mais eficazes para o desenvolvimento profissional docente são aquelas que se baseiam na escola e que se relacionam com as actividades diá‐ rias realizadas pelos professores;
  1. O desenvolvimento profissional docente está directamente relacionado com os processos de reforma da escola, na medida em que este é entendido como um processo que tende a reconstruir a cultura escolar e no qual se implicam os professores enquanto profissio‐ nais;
  2. O professor é visto como um prático reflexi‐ vo, alguém que é detentor de conhecimento prévio quando acede à profissão e que vai adquirindo mais conhecimentos a partir de uma reflexão acerca da sua experiência. Assim sendo, as actividades de desenvolvi‐ mento profissional consistem em ajudar os professores a construir novas teorias e novas práticas pedagógicas;
  3. O desenvolvimento profissional é concebido como um processo colaborativo, ainda que se assuma que possa existir espaço para o trabalho isolado e para a reflexão;
  4. O desenvolvimento profissional pode adop‐ tar diferentes formas em diferentes contextos. Por isso mesmo, não existe um e só um mo‐ delo de desenvolvimento profissional que seja eficaz e aplicável em todas as escolas. As esco‐ las e docentes devem avaliar as suas próprias necessidades, crenças e práticas culturais para decidirem qual o modelo de desenvolvimento profissional que lhes parece mais benéfico.
          Na mesma linha, Sparks e Hirsh (1997) identifica‐ ram algumas das mudanças que se tinham vindo a produzir no desenvolvimento profissional docente:
  • ·  De um desenvolvimento profissional orien‐ tado para o desenvolvimento do indivíduo, para outro orientado para o desenvolvimento da organização;
  • ·  De um desenvolvimento profissional frag‐ mentado e desconexo para um coerente e orientado por metas claras;
  • ·  De uma organização da formação a partir da administração, para outra centrada na escola;
· De uma focagem centrada nas necessidades dos adultos, para outra centrada nas necessi‐ dades de aprendizagem dos alunos;
· De uma formação desenvolvida fora da esco‐ la para formas múltiplas de desenvolvimento profissional realizadas na escola;
· De uma orientação baseada na transmissão aos docentes de conhecimentos e das com‐ petências feita por especialistas, ao estudo dos processos de ensino e de aprendizagem, pelos professores;
· De um desenvolvimento profissional dirigi‐ do aos professores, como principais destina‐ tários, a um outro dirigido a todas as pessoas implicadas no processo de aprendizagem dos alunos;
· De um desenvolvimento profissional dirigi‐ do ao professor, a título individual, à criação de comunidades de aprendizagem, em que todos — professores, alunos, directores, fun‐ cionários — se consideram, simultaneamen‐ te, professores e alunos.


 IDENTIDADE PROFISSIONAL E PROFISSÃO DOCENTE


          Dado que assumimos, claramente, o desenvolvi‐ mento profissional como um processo que se vai construindo à medida que os docentes ganham ex‐ periência, sabedoria e consciência profissional, gos‐ taria agora de aprofundar o papel que a identidade profissional joga no desenvolvimento profissional e nos processos de mudança e melhoria da profissão docente. Esta é uma reflexão que considero neces‐ sária uma vez que é através da nossa identidade que nos percebemos, nos vemos e queremos que nos vejam. A identidade profissional é a forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do seu eu profissional, que evolui ao longo da sua carreira docente e que pode ser in‐ fluenciada pela escola, pelas reformas e contextos políticos, que “integra o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências pas‐ sadas, assim como a própria vulnerabilidade pro‐ fissional”. As identidades profissionais configuram  um “complexo emaranhado de histórias, conheci‐ mentos, processos e rituais” (Lasky, 2005).
Temos que considerar identidade docente como uma realidade que evolui e se desenvolve de forma individual e colectiva. A identidade não é algo que se possui, mas sim algo que se desenvolve ao longo da vida. A identidade não é um atributo fixo de de‐ terminada pessoa, mas sim um fenómeno relacional. O desenvolvimento da identidade ocorre no terreno do intersubjectivo e caracteriza‐se como sendo um processo evolutivo, um processo de interpretação de si mesmo enquanto indivíduo enquadrado em deter‐ minado contexto. Sendo assim, identidade pode ser entendida como resposta à pergunta: “Quem sou eu, neste momento?” (Beijaard et al., 2004).
          Os autores supracitados, através de uma revisão das investigações recentes, definiram as seguintes características:
4.
de trabalho. Quanto mais importante uma sub‐identidade é, mais difícil é modificá‐la. A existência de uma identidade profissional contribui para a percepção de auto‐eficácia, motivação, compromisso e satisfação no tra‐ balho do professor e é um factor importante para que este se converta num bom profes‐ sor. A identidade é influenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos.
1.
          A identidade profissional é um processo evo‐ lutivo de interpretação e reinterpretação de experiências. Uma perspectiva que assume a ideia que o desenvolvimento profissional dos professores nunca pára, constituindo‐se como uma aprendizagem ao longo da vida. Assim sendo, a formação da identidade pro‐ fissional não se constrói respondendo à per‐ gunta: “Quem sou eu, neste momento? Mas sim em resposta à pergunta: “Quem é que eu quero ser?”
          A identidade profissional depende tanto da pessoa como do contexto. A identidade pro‐ fissional não é única. Espera‐se que os pro‐ fessores se comportem de uma maneira pro‐ fissional, mas não porque adoptam caracte‐ rísticas profissionais prescritas (conhecimen‐ tos e atitudes). Os professores distinguem‐se entre si em função da importância que dão as essas características, desenvolvendo uma resposta própria ao contexto.
          A identidade profissional docente compõe‐se de sub‐identidades mais ou menos inter‐ relacionadas. Estas sub‐identidades têm a ver com os diferentes contextos em que os pro‐ fessores se movem. É importante que estas sub‐identidades não entrem em conflito. O conflito aparece, por exemplo, quando sur‐ gem mudanças educativas ou nas condições
          Estas mudanças não têm só a ver com a própria profissão docente, mas também com “um quadro mais geral de transformações sociais, que tem esba‐ tido os espaços tradicionais de identificação sexual, religiosa, familiar ou laboral” (Bolívar, 2006, p. 25). Transformações essas em que o local e o global, a estabilidade e a mudança, estão a assumir um papel desestabilizador, quando comparamos com as certezas que as nossas sociedades tinham noutras épocas. As mudanças e as novas realidades, referi‐ das por Bolívar, requerem que se observem as reper‐ cussões que estão a ter nos professores.
          Qualquer discussão sobre o desenvolvimento profissional deve tomar em consideração o signifi‐ cado do que é ser um profissional e qual o grau de autonomia destes profissionais no exercício do seu trabalho. Nos últimos anos temos assistido a uma situação de stress e desmotivação entre os docentes. Em muitos países existem altos níveis de deserção e muita dificuldade em recrutar novos docentes, verificando‐se situações de erosão da profissão, di‐ minuição do status, interferências externas, aumen‐to da carga de trabalho (Bolam & McMahon, 2004).


O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E O PROCESSO DE SE TORNAR PROFESSOR


          Ser um bom professor pressupõe um longo pro‐ cesso. Os candidatos que chegam às instituições de formação inicial de professores não são recipientes vazios. Nas suas investigações, Lortie (1975) afirma que as milhares de horas de observação enquanto estudantes contribuem para a configuração de um sistema de crenças acerca do ensino, por parte dos aspirantes a professores, e, por outro lado, ajuda‐ ‐os a interpretar as suas experiências na formação. Por vezes, estas crenças estão tão enraizadas que a formação inicial é incapaz de provocar uma trans‐ formação profunda nessas mesmas crenças (Pajares, 1992; Richardson & Placier, 2001).
          A formação inicial tem sido sujeita a múltiplas investigações e estudos (Cochran‐Smith & Fries, 2005). De uma maneira geral, nota‐se uma grande insatisfação, tanto por parte das instâncias políti‐ cas como da classe docente em exercício, acerca da capacidade de resposta das actuais instituições de formação às necessidades da profissão docente. As críticas que as consideram como tendo uma organi‐ zação burocratizada, em que se assiste a um divórcio entre a teoria e a prática, uma excessiva fragmenta‐ ção do conhecimento ensinado, um vínculo ténue com as escolas, estão a fazer com que algumas vozes proponham a redução temporal da formação inicial e o incremento da atenção dada ao período de in‐ serção profissional dos professores. Neste sentido vão as conclusões do relatório da OCDE, a que já fizemos referência, que afirma, em concreto, que: “As etapas da formação inicial, inserção e desenvolvimento profissional deveriam estar muito mais in‐ ter-relacionadas, de forma a criar aprendizagens coerentes e um sistema de desenvolvimento da profissão docente... O assumir a perspectiva de aprendi‐ zagem ao longo da vida obriga a maioria dos países a darem um maior apoio aos seus professores nos primeiros anos de ensino e a proporcionarem‐lhes incentivos e recursos para um desenvolvimento pro‐ fissional contínuo. De uma maneira geral, seria mais adequado melhorar a inserção e o desenvolvimento profissional dos professores ao longo da sua carrei‐ ra, em vez de aumentar a duração da formação ini‐ cial” (OCDE, 2005, p. 13).
          Por contraponto, vale a pena recordar o excelen‐ te artigo escrito por David Berliner (2000), no qual este refuta uma dúzia de críticas que habitualmen‐ te se fazem à formação inicial de professores (que para ensinar basta saber as matérias, que ensinar é fácil, que os formadores de professores vivem numa torre de marfim, que as disciplinas de metodologia e didáctica são dadas de forma superficial que no ensino não há princípios gerais válidos, etc.). Do ponto de vista do autor, são críticas não isentas e que reflectem uma visão bastante limitada acerca da contribuição da formação inicial para o desem‐ penho dos professores. Diz Berliner: “penso que se tem dado pouca atenção ao desenvolvimento dos aspectos evolutivos do processo de aprender a en‐ sinar, desde a formação inicial, à inserção e à for‐ mação contínua” (2000, p. 370). Neste processo, a formação inicial joga um papel importante e não é de pouca importância ou substituível, como alguns grupos ou instituições têm sugerido.
          Os professores passam por diferentes etapas no seu processo de aprendizagem. Bransford, Darling‐ ‐Hammond e LePage (2005) defendem que, para dar resposta às novas e complexas situações em que se encontram os docentes, é conveniente pensar nos professores como “peritos adaptativos”, ou seja, pessoas que estão preparadas para fazer aprendiza‐ gens eficientes ao longo da vida. Isto, porque as con‐ dições sociais estão em constante mudança e cada vez mais se pede às pessoas que saibam combinar competência com capacidade de inovação. Neste contexto, as investigações que se têm realizado têm procurado estabelecer diferenças entre os professo‐ res em função da idade, bem como desenvolver o conceito de perícia. Sendo assim, tem‐se analisado esta evolução, salvo em casos excepcionais, desde o primeiro ano de experiência docente. Encontra‐ mos, igualmente, estudos que tentam compreender o processo de conversão em perito; assim como investigações que analisam o que faz e quais as ca‐ racterísticas de um docente perito. Da análise destes estudos ressalta o contraste entre professores peri‐ tos e professores principiantes. É importante assina‐ lar que, quando falamos de professores peritos, es‐ tamos a falar não só de um professor com pelo me‐ nos 5 anos de experiência, mas também de pessoas com “um elevado nível de conhecimento e destreza, coisas que não se adquirem de forma natural, mas  que requerem uma dedicação especial e constante” (Bereiter & Scardamalia, 1986, p. 10). Assim sendo, não é com o mero transcorrer dos anos que o pro‐ fessor perito conquista a sua competência profissio‐ nal. Como assinala Berliner, não é totalmente seguro que a simples experiência faça o melhor mestre. Se não se reflecte sobre a própria conduta, nunca se atingirá um pensamento e uma acção próprios de um perito (Berliner, 1986).
          Segundo Bereiter e Scardamalia, os peritos — em qualquer área — têm as seguintes características em comum: complexidade de competências, ou seja, as acções do perito apoiam‐se numa estrutura diferente e mais complexa que as do principiante, exercendo um controlo voluntário e estratégico sobre as partes do processo, que se desenvolve de uma forma mais automática no caso dos principiantes. Em segundo lugar, o perito possui uma grande quantidade de co‐ nhecimentos, quando comparado com o principian‐ te. Em terceiro lugar, assinalam a própria estrutura do conhecimento.           Para Bereiter e Scardamalia, “os principiantes tendem a ter, o que podemos descrever como, uma estrutura de conhecimento ‘superficial’, algumas ideias gerais e alguns detalhes relacionados com essa ideia geral, mas não interrelacionados. Por seu lado, os peritos têm uma estrutura de conheci‐ mento profunda e de multi‐níveis, com muitas cone‐ xões inter e intra‐nível” (1986, p. 12). A última característica que diferencia o perito do principiante é a representação dos problemas: o perito recorre a uma estrutura abstrata do problema e utiliza uma grande variedade de tipos de problemas guardados na memória. Pelo contrário, os principiantes deixam‐ ‐se influenciar pelo conteúdo concreto do problema, pelo que têm dificuldades em representá‐lo de forma abstrata (Marcelo, 1999).
          Finalmente, e para complementar o que foi dito anteriormente, Bereiter e Scardamalia (1993) fazem uma distinção entre perícia cristalizada e perícia fluida. A perícia cristalizada consiste no desenvolvimento de procedimentos que se foram aprendendo com a experiência e que se utilizam para resolver tarefas de forma adequada. A perícia fluida consiste em capacidades que surgem quando o perito enfrenta novas e desafiantes situações. Esta perícia fluida, ou adaptativa, desenvolve‐se ao longo da vida, aumentando à medida que as pessoas enfrentam novas situações.
          Portanto, sabemos que os professores peritos re‐ conhecem e identificam características de problemas e situações que podem escapar à atenção dos principiantes. O conhecimento do perito é muito mais do que uma lista de factos desconexos acerca de de‐ terminada disciplina. Pelo contrário, o seu conheci‐ mento está inter-relacionado e organizado em torno de ideias importantes acerca das suas disciplinas. Esta organização de conhecimentos ajuda os peritos a saber quando, porquê e como utilizar o vasto conhecimento que possuem numa situação concreta.
Bransford, Derry, Berliner e Hammerness (2005) assinalaram a necessidade de estabelecer a diferença entre o “perito rotineiro” e o “perito adaptativo”. São ambos peritos que aprendem ao longo da vida. O perito rotineiro desenvolve um conjunto de competências que vai aplicando ao longo da vida, cada vez com mais eficácia. Pelo contrário, o perito adaptativo tem uma maior disponibilidade para transformar as suas competências, aprofundá‐las e ampliá‐ ‐las continuamente. Estes autores defendem uma ideia, do meu ponto de vista, muito interessante se queremos entender o processo de inserção profissional e, consequentemente, programar ações de formação para professores principiantes.
          Assim, advogam que há duas dimensões relevantes no processo de conversão em professor perito: ino‐ vação e eficiência. Desenvolver uma só dimensão pode não apoiar o desenvolvimento da capacidade adaptativa. A investigação mostra que as pessoas que mais beneficiam das oportunidades de aprendi‐ zagem são aquelas que articulam as duas dimensões, situando‐se dentro do corredor de adaptabilidade óptima. 
          Já existem muitos programas que estão a inovação corredor de adaptabilidade ótima adotar a ideia de perícia adaptativa como padrão de desenvolvimento profissional.


CONCLUSÃO


          O desenvolvimento profissional docente é um campo de conhecimento muito amplo e diverso, do qual tentamos mostrar algumas das suas ideias gerais. Aprofundar requer uma análise mais pormenorizada dos diferentes processos e conteúdos que levam os docentes a aprender a ensinar. E não existe apenas uma resposta a esta questão. Mas, seja qual for a orientação que se adote, é necessário que se compreenda que a profissão docente e o seu desenvolvimento constituem um elemento fundamental e crucial para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos. 

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