ARTIGO
Carlos Marcelo
marcelo@us.es
Universidade de Sevilha (Espanha
Desenvolvimento Profissional Docente
Entende‐se o desenvolvimento profissional dos professores como um processo individual e
colectivo que se deve concretizar no local de trabalho do docente: a escola; e que contribui
para o desenvolvimento das suas competências profissionais, através de experiências de
índole diferente, tanto formais como informais. O conceito de desenvolvimento profissio‐
nal tem vindo a modificar‐se durante a última década, sendo essa mudança motivada pela
evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Nos
últimos tempos, tem‐se vindo a considerar o desenvolvimento profissional como um pro‐
cesso a longo prazo, no qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências,
planificadas sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente.
Deve entender‐se o desenvolvimento profissional dos professores enquadrando‐o na
procura da identidade profissional, na forma como os professores se definem a si mesmos
e aos outros. É uma construção do eu profissional, que evolui ao longo das suas carreiras.
Que pode ser influenciado pela escola, pelas reformas e contextos políticos, e que integra
o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças, os valo‐
res, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências
passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional. As identidades profissionais
configuram um complexo emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais.
Quando falo ou escrevo sobre desenvolvimento
profissional docente tenho sempre o hábito de refe‐
rir a obra de Linda Darling‐Hammond, “O Direito
de Aprender” (Darling‐Hammond, 2001). E faço‐o
porque entendo que é necessário recordar que as
escolas foram criadas com o intuito de transformar
as mentes dos alunos em mentes educadas e que,
hoje em dia, para que esse direito se continue a res‐
peitar, exige‐se dos professores um esforço redobra‐
do de confiança, compromisso e motivação (Marce‐
lo, 2002).
Muito se tem escrito sobre a influência que as atuais mudanças sociais estão a ter na sociedade pro‐
priamente dita, na educação, nas escolas e no traba‐
lho dos professores. Sempre soubemos que a pro‐
fissão docente é uma “profissão do conhecimento”.
O conhecimento, o saber, tem sido o elemento legi‐
timador da profissão docente e a justificação do tra balho docente tem‐se baseado no compromisso em
transformar esse conhecimento em aprendizagens
relevantes para os alunos. Para que este compromis‐
so se renove, sempre foi necessário, e hoje em dia é
imprescindível, que os professores — da mesma ma‐
neira que é assumido por muitas outras profissões
— se convençam da necessidade de ampliar, apro‐
fundar, melhorar a sua competência profissional e
pessoal. Zabalza (2000) afirmava que convertemos
“a agradável experiência de aprender algo de novo
cada dia, num princípio de sobrevivência incontor‐
nável” (p. 165). Sendo assim, para os docentes, ser
professor no século XXI pressupõe o assumir que o
conhecimento e os alunos (as matérias‐primas com
que trabalham) se transformam a uma velocidade
maior à que estávamos habituados e que, para se
continuar a dar uma resposta adequada ao direito
de aprender dos alunos, teremos de fazer um esfor‐
ço redobrado para continuar a aprender.
Relatórios internacionais recentes têm centrado
a sua investigação e destacado a importância do pa‐
pel dos professores nas possibilidades de aprendi‐
zagem dos alunos. Vai neste sentido o título do rela‐
tório recentemente publicado pela OCDE: Teachers
matter: attracting, developing and retaining effecti-
ve teachers (OCDE, 2005). No título diz‐se que os
professores contam, ou seja, têm que ser tomados
em consideração na melhoria da qualidade do en‐
sino que os alunos recebem. Neste relatório afirma‐
‐se que: “Actualmente existe um considerável volu‐
me de investigação que indica que a qualidade dos
professores e a forma como ensinam é o factor mais
importante para explicar os resultados dos alunos.
Também existem evidências consideráveis de que
os professores variam na sua eficácia. As diferenças
nos resultados dos alunos são, por vezes, maiores
dentro de uma mesma escola do que entre escolas.
O ensino é um trabalho exigente e não é qualquer pessoa que consegue ser um professor eficaz e man‐
ter essa eficácia ao longo do tempo” (p. 12). Este
relatório é reflexo da preocupação, a nível interna‐
cional, com os professores: como fazer com que a
docência seja uma profissão atractiva, como conser‐
var no ensino os melhores professores e como con‐
seguir que os professores continuem a aprender ao
longo das suas carreiras.
Mais recentemente, no âmbito da II Reunião In‐
tergovernamental do Projecto Regional de Educa‐
ção para a América Latina e Caribe, que se celebrou
em Buenos Aires nos dias 29 e 30 de Março de 2007,
apresentou‐se um documento de discussão sobre
políticas educativas, no qual se afirmava que “os do‐
centes são actores fundamentais para assegurar o di‐
reito à educação das populações e contribuir para a
melhoria das políticas educativas da região” (p. 49).
Em paralelo com o estudo da OCDE, a prestigia‐
da Associação Americana de Investigação Educacio‐
nal (AERA) tornou público o relatório que tenta re‐
sumir os resultados da investigação que se tem feito
em Formação de Professores, bem como propor po‐
líticas educativas que tenham em conta esses resul‐
tados. Afirma‐se que: “em todas as nações existe um
consenso emergente de que os professores influem
de maneira significativa na aprendizagem dos alunos
e na eficácia da escola” (Cochran‐Smith & Fries,
2005, p. 40). Na mesma linha, Darling‐Hammond
(2000) afirmava que a aprendizagem dos alunos “de‐
pende principalmente daquilo que os professores
sabem e do que podem fazer”.
Deste modo, centramos o tema deste artigo num
aspecto fundamental das discussões sobre a profis‐
são docente: os processos usados pelos professores
nas suas aprendizagens, processos esses que de‐
senvolvem e melhoram o seu reportório de compe‐
tências. É importante relembrar que não partimos
do zero, o desenvolvimento profissional docente e
a análise dos processos do aprender a ensinar têm
sido uma preocupação constante dos investigadores
educacionais nas últimas décadas. Têm sido feitas
centenas de investigações e dezenas de revisões com
o intuito de compreender estes processos. Tanto
a terceira (Wittrock, 1986) como a quarta edição
(Richardson, 2001) do Handbook of Research on
Teaching, integram capítulos de revisão e síntese
acerca dos professores, da sua formação e evolução.
Estas obras, bem como artigos de revisão recentes,
publicados em revistas especializadas (como os de
Cochran‐Smith & Zeichner, 2005; Feiman‐ Nemser,
2001; Putnam & Borko, 1998; Wideen et al. 1998;
Wilson & Berne; Zeichner, 1999) permitem‐nos
configurar um panorama bastante actualizado no
que diz respeito ao conhecimento acumulado sobre
o processo de aprender a ensinar, tanto nos seus as‐
pectos consensuais como nos mais discutíveis. Par‐
tindo destas revisões, já bastante amplas, podemos
fazer o ponto de situação e estabelecer um corpo de
conhecimento acumulado suficiente para começar
a dar uma resposta à pergunta: Como se aprende a
ensinar?
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DOCENTE: A QUE NOS REFERIMOS?
Neste artigo optamos pelo conceito de desenvolvi‐
mento profissional de professores. No nosso con‐
texto podemos fazer referência a outras noções: for‐
mação permanente, formação contínua, formação
em serviço, desenvolvimento de recursos humanos,
aprendizagem ao longo da vida, cursos de recicla‐
gem ou capacitação (Bolam & McMahon, 2004; Te‐
rigi, 2007). No entanto, pensamos que a denomina‐
ção desenvolvimento profissional se adequa melhor
à concepção do professor enquanto profissional do
ensino. Por outro lado, o conceito “desenvolvimen‐
to” tem uma conotação de evolução e continuidade
que, em nosso entender, supera a tradicional justa‐
posição entre formação inicial e formação contínua
dos professores
Rudduck referia‐se ao desenvolvimento profis‐
sional do professor como “a capacidade do profes‐
sor em manter a curiosidade acerca da sua turma;
identificar interesses significativos nos processos de
ensino e aprendizagem; valorizar e procurar o diálo‐
go com colegas experientes como apoio na análise
de situações” (Rudduck, 1991, p. 129). Deste pon‐
to de vista, o desenvolvimento profissional docente
pode ser entendido como uma atitude permanente
de indagação, de formulação de questões e procura
de soluções.
De seguida apresentamos algumas das mais
recentes definições do conceito desenvolvimento
profissional de professores, formuladas por autores
de relevo:
“O desenvolvimento profissional dos profes‐
sores vai para além de uma etapa meramente
informativa; implica adaptação à mudança
com o fim de modificar as actividades de
ensino‐aprendizagem, alterar as atitudes dos
professores e melhorar os resultados escola‐
res dos alunos. O desenvolvimento profissio‐
nal de professores preocupa‐se com as neces‐
sidades individuais, profissionais e organiza‐
tivas” (Heideman, 1990, p. 4);
“O desenvolvimento profissional de profes‐
sores constitui‐se com uma área ampla ao
incluir qualquer actividade ou processo que
tenta melhorar destrezas, atitudes, compre‐
ensão ou actuação em papéis actuais ou futu‐
ros” (Fullan, 1990, p. 3);
“Define‐se como todo aquele processo que
melhora o conhecimento, destrezas ou ati‐
tudes dos professores” (Sparks & Loucks‐
‐Horsley, 1990, pp. 234‐235);
“Implica a melhoria da capacidade de con‐
trolo sobre as próprias condições de traba‐
lho, uma progressão de status profissional e
na carreira docente” (Oldroyd & Hall, 1991,
p. 3);
“O desenvolvimento profissional docente in‐
clui todas as experiências de aprendizagem
natural e aquelas que, planificadas e cons‐
cientes, tentam, directa ou indirectamente,
beneficiar os indivíduos, grupos ou escolas
e que contribuem para a melhoria da quali‐
dade da educação nas salas de aula. É o pro‐
cesso mediante o qual os professores, sós ou
acompanhados, revêem, renovam e desen‐
volvem o seu compromisso como agentes
de mudança, com os propósitos morais do
ensino e adquirem e desenvolvem conheci‐
mentos, competências e inteligência emocio‐
nal, essenciais ao pensamento profissional, à
planificação e à prática com as crianças, com
os jovens e com os seus colegas, ao longo de
cada uma das etapas das suas vidas enquanto
docentes” (Day, 1999, p. 4);
“Oportunidades de trabalho que promovam
nos educadores capacidades criativas e re‐
flexivas, que lhes permitam melhorar as suas
práticas” (Bredeson, 2002, p. 663);
o crescimento profissional que o professor
adquire como resultado da sua experiência e
da análise sistemática da sua própria prática”
(Villegas‐Reimers, 2003).
Como podemos verificar, as definições, tanto as
mais recentes como as mais antigas, entendem o
desenvolvimento profissional docente como um
processo, que pode ser individual ou colectivo, mas
que se deve contextualizar no local de trabalho do
docente — a escola — e que contribui para o de‐
senvolvimento das suas competências profissionais
através de experiências de diferente índole, tanto
formais como informais.
O conceito de desenvolvimento profissional do‐
cente tem vindo a modificar‐se na última década,
motivado pela evolução da compreensão de como
se produzem os processos de aprender a ensinar.
Na revisão da investigação que se tem feito em torno
do desenvolvimento profissional docente, Villegas‐
‐Reimers (2003) mostra que nos últimos tempos se
tem vindo a considerar que este é um processo a
longo prazo, que integra diferentes tipos de opor‐
tunidades e de experiências, planificadas sistema‐
ticamente, de forma a promover o crescimento e
desenvolvimento profissional dos professores. As‐
sim sendo, está a emergir uma nova perspectiva que
entende o desenvolvimento profissional docente
como tendo as seguintes características:
1. Baseia‐se no construtivismo, e não nos mo‐
delos transmissivos, entendendo que o pro‐
fessor é um sujeito que aprende de forma ac‐
tiva ao estar implicado em tarefas concretas
de ensino, avaliação, observação e reflexão;
2. Entende‐se como sendo um processo a lon‐
go prazo, que reconhece que os professores
aprendem ao longo do tempo. Assim sendo,
considera‐se que as experiências são mais
eficazes se permitirem que os professores re‐
lacionem as novas experiências com os seus
conhecimentos prévios. Para isso, é necessá‐
rio que se faça um seguimento adequado, in‐
dispensável para que a mudança se produza.
3. Assume‐se como um processo que tem lugar
em contextos concretos. Ao contrário das
práticas tradicionais de formação, que não
relacionam as situações de formação com a práticas em sala de aula, as experiências mais
eficazes para o desenvolvimento profissional
docente são aquelas que se baseiam na escola
e que se relacionam com as actividades diá‐
rias realizadas pelos professores;
-
O desenvolvimento profissional docente está
directamente relacionado com os processos
de reforma da escola, na medida em que este
é entendido como um processo que tende
a reconstruir a cultura escolar e no qual se
implicam os professores enquanto profissio‐
nais;
-
O professor é visto como um prático reflexi‐
vo, alguém que é detentor de conhecimento
prévio quando acede à profissão e que vai
adquirindo mais conhecimentos a partir
de uma reflexão acerca da sua experiência.
Assim sendo, as actividades de desenvolvi‐
mento profissional consistem em ajudar os
professores a construir novas teorias e novas
práticas pedagógicas;
-
O desenvolvimento profissional é concebido
como um processo colaborativo, ainda que
se assuma que possa existir espaço para o
trabalho isolado e para a reflexão;
-
O desenvolvimento profissional pode adop‐
tar diferentes formas em diferentes contextos.
Por isso mesmo, não existe um e só um mo‐
delo de desenvolvimento profissional que seja
eficaz e aplicável em todas as escolas. As esco‐
las e docentes devem avaliar as suas próprias
necessidades, crenças e práticas culturais para
decidirem qual o modelo de desenvolvimento
profissional que lhes parece mais benéfico.
Na mesma linha, Sparks e Hirsh (1997) identifica‐
ram algumas das mudanças que se tinham vindo a
produzir no desenvolvimento profissional docente:
-
· De um desenvolvimento profissional orien‐
tado para o desenvolvimento do indivíduo,
para outro orientado para o desenvolvimento
da organização;
-
· De um desenvolvimento profissional frag‐
mentado e desconexo para um coerente e
orientado por metas claras;
-
· De uma organização da formação a partir da
administração, para outra centrada na escola;
· De uma focagem centrada nas necessidades
dos adultos, para outra centrada nas necessi‐
dades de aprendizagem dos alunos;
· De uma formação desenvolvida fora da esco‐
la para formas múltiplas de desenvolvimento
profissional realizadas na escola;
· De uma orientação baseada na transmissão
aos docentes de conhecimentos e das com‐
petências feita por especialistas, ao estudo
dos processos de ensino e de aprendizagem,
pelos professores;
· De um desenvolvimento profissional dirigi‐
do aos professores, como principais destina‐
tários, a um outro dirigido a todas as pessoas
implicadas no processo de aprendizagem dos
alunos;
· De um desenvolvimento profissional dirigi‐
do ao professor, a título individual, à criação
de comunidades de aprendizagem, em que
todos — professores, alunos, directores, fun‐
cionários — se consideram, simultaneamen‐
te, professores e alunos.
IDENTIDADE PROFISSIONAL
E PROFISSÃO DOCENTE
Dado que assumimos, claramente, o desenvolvi‐
mento profissional como um processo que se vai
construindo à medida que os docentes ganham ex‐
periência, sabedoria e consciência profissional, gos‐
taria agora de aprofundar o papel que a identidade
profissional joga no desenvolvimento profissional e
nos processos de mudança e melhoria da profissão
docente. Esta é uma reflexão que considero neces‐
sária uma vez que é através da nossa identidade que
nos percebemos, nos vemos e queremos que nos
vejam. A identidade profissional é a forma como os
professores se definem a si mesmos e aos outros. É
uma construção do seu eu profissional, que evolui
ao longo da sua carreira docente e que pode ser in‐
fluenciada pela escola, pelas reformas e contextos
políticos, que “integra o compromisso pessoal, a
disponibilidade para aprender a ensinar, as crenças,
os valores, o conhecimento sobre as matérias que
ensinam e como as ensinam, as experiências pas‐
sadas, assim como a própria vulnerabilidade pro‐
fissional”. As identidades profissionais configuram um “complexo emaranhado de histórias, conheci‐
mentos, processos e rituais” (Lasky, 2005).
Temos que considerar identidade docente como
uma realidade que evolui e se desenvolve de forma
individual e colectiva. A identidade não é algo que
se possui, mas sim algo que se desenvolve ao longo
da vida. A identidade não é um atributo fixo de de‐
terminada pessoa, mas sim um fenómeno relacional.
O desenvolvimento da identidade ocorre no terreno
do intersubjectivo e caracteriza‐se como sendo um
processo evolutivo, um processo de interpretação de
si mesmo enquanto indivíduo enquadrado em deter‐
minado contexto. Sendo assim, identidade pode ser
entendida como resposta à pergunta: “Quem sou eu,
neste momento?” (Beijaard et al., 2004).
Os autores supracitados, através de uma revisão
das investigações recentes, definiram as seguintes
características:
4.
de trabalho. Quanto mais importante uma
sub‐identidade é, mais difícil é modificá‐la.
A existência de uma identidade profissional
contribui para a percepção de auto‐eficácia,
motivação, compromisso e satisfação no tra‐
balho do professor e é um factor importante
para que este se converta num bom profes‐
sor. A identidade é influenciada por aspectos
pessoais, sociais e cognitivos.
1.
A identidade profissional é um processo evo‐
lutivo de interpretação e reinterpretação de
experiências. Uma perspectiva que assume
a ideia que o desenvolvimento profissional
dos professores nunca pára, constituindo‐se
como uma aprendizagem ao longo da vida.
Assim sendo, a formação da identidade pro‐
fissional não se constrói respondendo à per‐
gunta: “Quem sou eu, neste momento? Mas
sim em resposta à pergunta: “Quem é que eu
quero ser?”
A identidade profissional depende tanto da
pessoa como do contexto. A identidade pro‐
fissional não é única. Espera‐se que os pro‐
fessores se comportem de uma maneira pro‐
fissional, mas não porque adoptam caracte‐
rísticas profissionais prescritas (conhecimen‐
tos e atitudes). Os professores distinguem‐se
entre si em função da importância que dão
as essas características, desenvolvendo uma
resposta própria ao contexto.
A identidade profissional docente compõe‐se de sub‐identidades mais ou menos inter‐
relacionadas. Estas sub‐identidades têm a ver
com os diferentes contextos em que os pro‐
fessores se movem. É importante que estas
sub‐identidades não entrem em conflito. O
conflito aparece, por exemplo, quando sur‐
gem mudanças educativas ou nas condições
Estas mudanças não têm só a ver com a própria
profissão docente, mas também com “um quadro
mais geral de transformações sociais, que tem esba‐
tido os espaços tradicionais de identificação sexual,
religiosa, familiar ou laboral” (Bolívar, 2006, p. 25).
Transformações essas em que o local e o global, a
estabilidade e a mudança, estão a assumir um papel desestabilizador, quando comparamos com as
certezas que as nossas sociedades tinham noutras
épocas. As mudanças e as novas realidades, referi‐
das por Bolívar, requerem que se observem as reper‐
cussões que estão a ter nos professores.
Qualquer discussão sobre o desenvolvimento
profissional deve tomar em consideração o signifi‐
cado do que é ser um profissional e qual o grau de
autonomia destes profissionais no exercício do seu
trabalho. Nos últimos anos temos assistido a uma
situação de stress e desmotivação entre os docentes.
Em muitos países existem altos níveis de deserção
e muita dificuldade em recrutar novos docentes,
verificando‐se situações de erosão da profissão, di‐
minuição do status, interferências externas, aumen‐to da carga de trabalho (Bolam & McMahon, 2004).
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
E O PROCESSO DE SE TORNAR PROFESSOR
Ser um bom professor pressupõe um longo pro‐
cesso. Os candidatos que chegam às instituições de
formação inicial de professores não são recipientes
vazios. Nas suas investigações, Lortie (1975) afirma
que as milhares de horas de observação enquanto
estudantes contribuem para a configuração de um
sistema de crenças acerca do ensino, por parte dos
aspirantes a professores, e, por outro lado, ajuda‐
‐os a interpretar as suas experiências na formação.
Por vezes, estas crenças estão tão enraizadas que a
formação inicial é incapaz de provocar uma trans‐
formação profunda nessas mesmas crenças (Pajares,
1992; Richardson & Placier, 2001).
A formação inicial tem sido sujeita a múltiplas
investigações e estudos (Cochran‐Smith & Fries,
2005). De uma maneira geral, nota‐se uma grande
insatisfação, tanto por parte das instâncias políti‐
cas como da classe docente em exercício, acerca da
capacidade de resposta das actuais instituições de
formação às necessidades da profissão docente. As
críticas que as consideram como tendo uma organi‐
zação burocratizada, em que se assiste a um divórcio
entre a teoria e a prática, uma excessiva fragmenta‐
ção do conhecimento ensinado, um vínculo ténue
com as escolas, estão a fazer com que algumas vozes
proponham a redução temporal da formação inicial
e o incremento da atenção dada ao período de in‐
serção profissional dos professores. Neste sentido
vão as conclusões do relatório da OCDE, a que já
fizemos referência, que afirma, em concreto, que:
“As etapas da formação inicial, inserção e desenvolvimento profissional deveriam estar muito mais in‐
ter-relacionadas, de forma a criar aprendizagens coerentes e um sistema de desenvolvimento da profissão docente... O assumir a perspectiva de aprendi‐
zagem ao longo da vida obriga a maioria dos países
a darem um maior apoio aos seus professores nos
primeiros anos de ensino e a proporcionarem‐lhes
incentivos e recursos para um desenvolvimento pro‐
fissional contínuo. De uma maneira geral, seria mais
adequado melhorar a inserção e o desenvolvimento
profissional dos professores ao longo da sua carrei‐
ra, em vez de aumentar a duração da formação ini‐
cial” (OCDE, 2005, p. 13).
Por contraponto, vale a pena recordar o excelen‐
te artigo escrito por David Berliner (2000), no qual
este refuta uma dúzia de críticas que habitualmen‐
te se fazem à formação inicial de professores (que
para ensinar basta saber as matérias, que ensinar é
fácil, que os formadores de professores vivem numa
torre de marfim, que as disciplinas de metodologia
e didáctica são dadas de forma superficial que no
ensino não há princípios gerais válidos, etc.). Do
ponto de vista do autor, são críticas não isentas e
que reflectem uma visão bastante limitada acerca
da contribuição da formação inicial para o desem‐
penho dos professores. Diz Berliner: “penso que se
tem dado pouca atenção ao desenvolvimento dos
aspectos evolutivos do processo de aprender a en‐
sinar, desde a formação inicial, à inserção e à for‐
mação contínua” (2000, p. 370). Neste processo, a
formação inicial joga um papel importante e não é
de pouca importância ou substituível, como alguns
grupos ou instituições têm sugerido.
Os professores passam por diferentes etapas no
seu processo de aprendizagem. Bransford, Darling‐
‐Hammond e LePage (2005) defendem que, para
dar resposta às novas e complexas situações em que
se encontram os docentes, é conveniente pensar nos
professores como “peritos adaptativos”, ou seja,
pessoas que estão preparadas para fazer aprendiza‐
gens eficientes ao longo da vida. Isto, porque as con‐
dições sociais estão em constante mudança e cada
vez mais se pede às pessoas que saibam combinar
competência com capacidade de inovação. Neste
contexto, as investigações que se têm realizado têm
procurado estabelecer diferenças entre os professo‐
res em função da idade, bem como desenvolver o
conceito de perícia. Sendo assim, tem‐se analisado
esta evolução, salvo em casos excepcionais, desde
o primeiro ano de experiência docente. Encontra‐
mos, igualmente, estudos que tentam compreender
o processo de conversão em perito; assim como
investigações que analisam o que faz e quais as ca‐
racterísticas de um docente perito. Da análise destes
estudos ressalta o contraste entre professores peri‐
tos e professores principiantes. É importante assina‐
lar que, quando falamos de professores peritos, es‐
tamos a falar não só de um professor com pelo me‐
nos 5 anos de experiência, mas também de pessoas
com “um elevado nível de conhecimento e destreza,
coisas que não se adquirem de forma natural, mas que requerem uma dedicação especial e constante”
(Bereiter & Scardamalia, 1986, p. 10). Assim sendo,
não é com o mero transcorrer dos anos que o pro‐
fessor perito conquista a sua competência profissio‐
nal. Como assinala Berliner, não é totalmente seguro
que a simples experiência faça o melhor mestre. Se
não se reflecte sobre a própria conduta, nunca se
atingirá um pensamento e uma acção próprios de
um perito (Berliner, 1986).
Segundo Bereiter e Scardamalia, os peritos — em
qualquer área — têm as seguintes características em
comum: complexidade de competências, ou seja, as
acções do perito apoiam‐se numa estrutura diferente
e mais complexa que as do principiante, exercendo
um controlo voluntário e estratégico sobre as partes
do processo, que se desenvolve de uma forma mais
automática no caso dos principiantes. Em segundo
lugar, o perito possui uma grande quantidade de co‐
nhecimentos, quando comparado com o principian‐
te. Em terceiro lugar, assinalam a própria estrutura
do conhecimento. Para Bereiter e Scardamalia, “os
principiantes tendem a ter, o que podemos descrever
como, uma estrutura de conhecimento ‘superficial’,
algumas ideias gerais e alguns detalhes relacionados
com essa ideia geral, mas não interrelacionados. Por
seu lado, os peritos têm uma estrutura de conheci‐
mento profunda e de multi‐níveis, com muitas cone‐
xões inter e intra‐nível” (1986, p. 12). A última característica que diferencia o perito do principiante é a
representação dos problemas: o perito recorre a uma
estrutura abstrata do problema e utiliza uma grande variedade de tipos de problemas guardados na
memória. Pelo contrário, os principiantes deixam‐
‐se influenciar pelo conteúdo concreto do problema,
pelo que têm dificuldades em representá‐lo de forma
abstrata (Marcelo, 1999).
Finalmente, e para complementar o que foi dito
anteriormente, Bereiter e Scardamalia (1993) fazem
uma distinção entre perícia cristalizada e perícia
fluida. A perícia cristalizada consiste no desenvolvimento de procedimentos que se foram aprendendo com a experiência e que se utilizam para resolver
tarefas de forma adequada. A perícia fluida consiste em capacidades que surgem quando o perito
enfrenta novas e desafiantes situações. Esta perícia
fluida, ou adaptativa, desenvolve‐se ao longo da
vida, aumentando à medida que as pessoas enfrentam novas situações.
Portanto, sabemos que os professores peritos re‐
conhecem e identificam características de problemas
e situações que podem escapar à atenção dos principiantes. O conhecimento do perito é muito mais
do que uma lista de factos desconexos acerca de de‐
terminada disciplina. Pelo contrário, o seu conheci‐
mento está inter-relacionado e organizado em torno
de ideias importantes acerca das suas disciplinas.
Esta organização de conhecimentos ajuda os peritos
a saber quando, porquê e como utilizar o vasto conhecimento que possuem numa situação concreta.
Bransford, Derry, Berliner e Hammerness (2005)
assinalaram a necessidade de estabelecer a diferença entre o “perito rotineiro” e o “perito adaptativo”.
São ambos peritos que aprendem ao longo da vida.
O perito rotineiro desenvolve um conjunto de competências que vai aplicando ao longo da vida, cada
vez com mais eficácia. Pelo contrário, o perito adaptativo tem uma maior disponibilidade para transformar as suas competências, aprofundá‐las e ampliá‐
‐las continuamente. Estes autores defendem uma
ideia, do meu ponto de vista, muito interessante se
queremos entender o processo de inserção profissional e, consequentemente, programar ações de
formação para professores principiantes.
Assim, advogam que há duas dimensões relevantes
no processo de conversão em professor perito: ino‐
vação e eficiência. Desenvolver uma só dimensão
pode não apoiar o desenvolvimento da capacidade
adaptativa. A investigação mostra que as pessoas
que mais beneficiam das oportunidades de aprendi‐
zagem são aquelas que articulam as duas dimensões,
situando‐se dentro do corredor de adaptabilidade
óptima.
Já existem muitos programas que estão a inovação corredor de
adaptabilidade ótima adotar a ideia de perícia adaptativa como padrão
de desenvolvimento profissional.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento profissional docente é um campo
de conhecimento muito amplo e diverso, do qual tentamos mostrar algumas das suas ideias gerais. Aprofundar requer uma análise mais pormenorizada dos
diferentes processos e conteúdos que levam os docentes a aprender a ensinar. E não existe apenas uma
resposta a esta questão. Mas, seja qual for a orientação que se adote, é necessário que se compreenda
que a profissão docente e o seu desenvolvimento
constituem um elemento fundamental e crucial para
assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos.
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